Laços de Família: epifanias cotidianas em Laços de Família
- Brenda Destro
- 13 de jan.
- 2 min de leitura

Clarice Lispector é uma das maiores vozes da literatura brasileira, e Laços de Família reafirma sua genialidade com uma coletânea de contos impecáveis, onde cada narrativa oferece momentos de epifania que não apenas transformam seus personagens, mas também tocam profundamente seus leitores.
Os contos trazem à tona um cotidiano que, à primeira vista, parece simples e comum, mas que Clarice reveste com uma sensibilidade extraordinária. Grande parte dos protagonistas são mulheres, mas há espaço para personagens inusitados, como a galinha do conto "Uma Galinha". Em "Começos de uma fortuna", acompanhamos um jovem em seu primeiro encontro amoroso. Já em "O crime do professor de matemática", um homem enfrenta a culpa por uma decisão infeliz envolvendo o cachorro da família.
Entre os meus contos favoritos, destaco "Amor". Nele, conhecemos Ana, uma dona de casa meticulosa, que organiza sua vida com precisão, até que uma experiência aparentemente banal (a quebra de ovos em sua bolsa de tricô durante uma viagem de bonde) a confronta com a vastidão e a imprevisibilidade da vida.

Os contos de Laços de Família não apenas desenham as sutilezas do universo feminino do século XX, mas também revelam, em alto relevo, os silêncios que marcavam as vidas das mulheres daquela época. Eles nos ajudam a enxergar a vastidão de seus desejos, aspirações e dores, e a perceber como o machismo estrutural produziu homens medíocres, covardes e limitados, ainda assim privilegiados pelo simples fato de serem homens brancos em uma sociedade patriarcal.
É importante destacar que Clarice Lispector não emerge como uma feminista militante em Laços de Família. No entanto, como mulher, não consigo evitar a dor ao me deparar com histórias que refletem como a ordem social sufocou o potencial de mulheres brilhantes, enquanto concedia a homens limitados o privilégio de uma vida fácil e bem-sucedida.
Mais do que uma coletânea de contos, Laços de Família é uma janela sensível, honesta e profundamente humana para o século XX – o tempo de nossas avós e avôs. Clarice nos apresenta um mundo repleto de descobertas, epifanias e alumbramentos, resgatando as emoções escondidas nos detalhes mais simples e corriqueiros da vida.
Clarice Lispector nos convida, em Laços de Família, a sentir o cotidiano com intensidade. Ler suas obras sempre é uma experiência transformadora, que nos faz redescobrir o mundo com olhos de encanto e profundidade.
Veja abaixo as frases de destaque:
"Sua sensibilidade incomodava sem ser dolorosa, como uma unha quebrada. E se quisesse podia permitir-se o luxo de se tornar ainda mais sensível." (p.12)
"Fora atingida pelo demônio da fé. A vida é horrível, disse-lhe baixo, faminta. O que faria se seguisse o chamado do cego? Iria sozinha." (p.24)
"E, mesmo, quem já não desejou possuir um ser humano só para si? O que, é verdade, nem sempre seria cômodo, há horas em que não se quer ter sentimentos." (p.136)
Comentários